O Brasil descobre a pesquisa científica

Sede do Museu Nacional entre 1818 e 1892


No início do ano, quando ainda olhávamos nos olhos dos colegas e dos professores, a professora Zita anunciou um seminário para o qual teríamos que ler um livro inteiro. Eu escolhi O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus de ciências naturais no século XIX de Maria Margaret Lopes. Confesso que, de todos os livros propostos, era um dos que menos me interessava. Por que então escolhi? Por tês motivos. Eu tinha o livro. Ganhei de uma amiga que se desfazia de alguns livros sobre museus, sabendo que eu me interessava pelo tema. Além disso, era uma forma de estudar um assunto que não é dos meus maiores interesses. Que melhor jeito de fazer isso do que criar uma obrigação? O terceiro motivo é uma espécie de penitência. Em janeiro de 2017,fui ao Rio com a minha filha passar um final de semana prolongado. A ida ao Museu Nacional estava marcada. Mas no dia, minha filha quis fazer outra coisa com aquela insistência dos adolescentes. Eu pensei "fica para outra vez"...

Assim, passei o meu recesso por ocasião da pandemia lendo o trabalho de Maria Margaret Lopes. É um trabalho de fôlego. Ela analisou tudo o que existe sobre o Museu Nacional no século XIX e início do século XX. Arquivos, revistas, cartas, material administrativo do governo, fontes no exterior. Tudo referenciado. 

O objetivo da autora é situar os museus como um dos principais espaços de institucionalização das ciências naturais no período estudado, contrariando a historiografia tradicional para a qual a ciência no Brasil teria começado somente no século XX, com o desenvolvimento das  universidades. 

Ela examina duas conjunturas, do final do século XVIII a cerca de 1860 (capítulos I e II), e dessa época até o início do século XX (capítulos III, IX e V). No primeiro período, o Museu Nacional (Real e do Império), que abriu em 1821, foi a única instituição do gênero no país. Era um modelo de museu metropolitano, como eram os principais museus das Europa e dos Estados Unidos. Metropolitano em dois sentidos. Possuía uma vocação enciclopédica, tributária do iluminismo do século XVIII. E situou o Brasil, em um primeiro momento, como metrópole a partir do momento em que se tornou sede da monarquia portuguesa. Assim, sua função era coletar e organizar amostras científicas de todas as partes do mundo. Para isso, havia incentivo para a criação de museus provinciais, que coletariam material nas províncias e remeteriam ao museu. E foram estabelecidos intercâmbios com os museus do exterior. 

A autora sintetiza: “é possível identificar na realidade concreta desses objetos a ideia de museu universal, de caráter metropolitano construído em moldes europeus, que almejava ser completo sim, mas de coleções que representassem o mundo todo, tais quais os museus das nações civilizadas, entre as quais nos almejávamos incluir” (LOPES, 2009, p. 70).

Além da função de "classificar o mundo" e desenvolver atividade científica, o Museu também atuava como órgão consultivo do governo na áreas de agricultura e mineralogia, contribuindo para o desenvolvimento de um Brasil que crescia e se urbanizava. Desempenharam um papel fundamental, em conjunto com o Museu, as expedições científicas, nacionais e estrangeiras, que rendiam milhares de amostras e muita informação. Diretores e servidores do museu participaram dessas expedições.

Já no segundo período, surgiram outras instituições como o Museu Paraense Emílio Goeldi, em 1876, e o Museu Paulista, em 1894. Esses museus tendiam a uma maior especialização. O Museu Paraense, em zoologia e botânica do Amazonas, e o Paulista, em zoologia sul-americana.

A segunda metade do século XIX, é o período do triunfo do evolucionismo, do darwinismo social e do positivismo. É quando iniciam os estudos de Antropologia e Etnologia no Museu Nacional. Também é a época das exposições universais das quais o Brasil não ficou de fora. Além de ser representado em exposições em outros países, teve a primeira Exposição Nacional em 1862. E, vinte anos depois, houve a Exposição Antropológica na qual foram exibidos os índios botocudos, conforme já comentamos em outro post.

O Museu Nacional se profissionalizou, lançou uma revista em 1876, adotou concursos para seleção de pessoal, e implementou um projeto pedagógico, com palestras semanais para o público leigo. Em 1892, mudou-se para a Quinta da Boa Vista. Nesse momento, esse modelo de museu é ressignificado, uma vez que deixa de ser lócus de produção de conhecimento, que passa para as universidades e outros espaços, para assumir outros papéis.




Muito interessante são as gestões personalistas do museu. Lopes demostra que, quanto mais profissionalizado tornava-se o museu, mais personalista era o gestor. Parece contraditório, mas estamos falando de uma sociedade patrimonialista, baseada em laços pessoais e familiares. Assim, na maioria das vezes, a obtenção de verba e de apoio para os projetos do museu dependiam de contatos políticos, de patrocínio do Imperador, de marketing feito por esses diretores entre os quais se destacam Ladislau Netto e João Batista de Lacerda.

Aprendi muito com essa leitura, que, certamente, não faria se não fosse obrigada. E agora, que conheço mais da história do Museu Nacional, lamento ainda mais aquela tarde quente de verão no qual o troquei por uma ida à praia.

Museu Nacional depois do incêndio em 2 de setembro de 2018





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