A coruja de Minerva: O Museu Paraense entre o Império e a República 1866-1907
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Museu Emílio Goeldi |
A primeira vez que ouvi falar na coruja de Minerva - a que levanta voo ao anoitecer - foi nas aulas de Introdução à Filosofia do Professor Carlos Cirne Lima, no início da década de 1990. Sei que ainda não compreendia a ideia do filósofo alemão, apesar da beleza da enunciação. Hoje, com alguma experiência de vida, vejo a História, mesmo com sua construção contemporânea a partir das fontes, como um saber do mundo solar. É a Filosofia que racionaliza o conhecimento quando o mundo que ela explica já deixou de existir.
Pois foi essa metáfora que o autor Nelson Sanjad utilizou para caracterizar as primeiras fases do Museu Paraense Emílio Goeldi. O Museu floresceu no momento do boom da economia da borracha no Norte do Brasil. Mas havia sido idealizado cerca de trinta anos antes.
A Amazônia tem estado todos os dias nos noticiários. Incêndios, desmatamento, grilagem de terras, garimpo ilegal, deslocamento de populações indígenas, mudanças de legislação na calada da noite As notícias e imagens alarmantes estão, nesse momento, quase em pé de igualdade com a pandemia do Covid 19. Então descubro o museu Emílio Goeldi através do livro de Maria Margaret Lopes, da apresentação (sobre o livro de Sanjab) dos colegas Ambra, Maria Cecília e Ronaldo, e pelo programa Conhecendo Museus (número 35).
Sobre os primeiros trinta anos do Museu Paraense, Lopes diz que pouco se sabe e afirma que é preciso recuperar a memória e combater a amnésia seletiva das instituições (LOPES, 2009, p. 207). Parece que essa foi uma das motivações de Sanjab, recusando a visão de senso comum de que o Império seria um período pré-científico e a República, científico.
O livro pode ser dividido em duas partes: a primeira compreende o capítulo 1, “O Museu Paraense no período Imperial” e o capítulo 2, “A reforma do Museu Paraense no período republicano”, a partir da figuras de Domingos Soares Ferreira Pena e Emílio Goeldi, respectivamente, no que Sanjab denomina de abordagem a partir do autor; e a segunda que envolve o capítulo 3, “Agenda de pesquisa e autoridade científica”, e o capítulo 4, “O Museu Paraense e as questões regionais”, nos quais trata "das estratégias de Emílio Goeldi para obter o reconhecimento do Museu como autoridade científica na fauna amazônica, bem como seu envolvimento em questões políticas e de ordem pública, como no caso do Contestado Franco-Brasileiro (1897-1900) e nas pesquisas sobre entomologia médica" (MENEZES Neto, 2013, p. 1417-1418).
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Emílio Goeldi (1859-1917) |
Interessantíssima a figura de Emílio Goeldi, que assim como Ladislau Neto e Hermann von Ihering, era vaidoso, marqueteiro, sabia valorizar o seu trabalho e impor suas agendas. Ele possui duas ligações com outros aspectos da minha vida, para além da Museologia. Ele era suíço, assim como o meu trisavô. Meu avô, que nasceu na Bahia, viveu entre 1912 e 1918 em Berna. Goeldi faleceu em Berna em 1917. Outro aspecto é o envolvimento de Goeldi na questão do Contestado Franco Brasileiro, quando o naturalista viajou para o Amapá, por duas vezes, para fazer o inventário científico da região e reforçar a posição brasileira e atuar como "espião" da comissão de arbitragem suíça, tendo trocado ampla correspondência com o Barão do Rio Branco. Quem disse que Museologia não tem nada a ver com Relações Internacionais?
Hoje o Museu possui coleções de Zoologia Botânica, Ciências Humanas e Ciências da Terra. É depositário de um rico conjunto de etnologia do Amazonas e recebe material de grupos indígenas que desejam preservar a sua cultura. Tudo muito fiel à ideia de Goeldi de que um museu vivo nunca está pronto.
O Emílio Goeldi e seu belíssimo Parque Zoobotânico têm um robusto projeto pedagógico, com visitas guiadas, coleções didáticas que são emprestadas às escolas e até um clube do pesquisador mirim. Fiquei pensando em convidar algumas autoridades para visitar o Museu, conhecer algumas espécies de animais e vegetais da Amazônia, saber como vivem grupos indígenas da região. A leitura do livro de Sanjab, já seria pedir demais. Mas uma tarde no Museu talvez abrisse um pouco os horizontes dos que tomam decisões a respeito do nosso meio ambiente. Pois parece que já anoiteceu e que a coruja de Minerva está chamando a nossa atenção há muito tempo.
Bibliografia
MENEZES Neto, de Geraldo Magella. A construção institucional do Museu Paraense. História, Ciências, Saúde - Manguinhos RJ , vol. 20, nov.2013, p. 1417-1420. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v20s1/0104-5970-hcsm-20-s-1417.pdf. Acesso em 1º de outubro de 2020.
LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus e as ciências naturais do século XIX. São Paulo: Aderaldo & Rothschild; Brasília: Ed. da UNB, 2009.
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